Série Multiverso – Napoleão: o cordel como linguagem do bem querer

9 de fevereiro de 2024 - 14:48

Supervisor do Núcleo de Auditoria Fiscal (Nuafi), de Juazeiro, Napoleão Duarte Diniz Neto viu na literatura de cordel, desde cedo, refúgio e explicação do mundo, extensão de si

Nas folhas amareladas, as letras da antiga máquina de escrever e os desenhos traçados e pintados à mão revelam o primeiro cordel, nascido da convivência inspiradora com o pai. Na narrativa posta em versos por linguagem popular, rápida e certeira, datada de 11 de agosto de 1985, o aniversário do seu Pita é indicado pelo filho Napoleão – incipiente escritor de quadrinhas – para ser manchete de jornal. Ora mais! E por que não? Napoleão sempre foi menino sensível e ousado nos desejos. Até hoje.

Nascido e criado na imensidão cultural de Juazeiro do Norte, Napoleão Duarte Diniz Neto viu na literatura de cordel, desde cedo, refúgio e explicação do mundo, extensão de si. Começou ouvindo repentes pelo rádio, com o pai, taxista e agricultor; depois, lendo e se atrevendo a escrever daquele jeito, igualzinho aos trovadores, também como herança da mãe, professora, que sempre o aproximou dos livros e das leituras.

A história do menino rimador de palavras se entrelaça a do homem que também encontrou nos números o caminho da existência. Napoleão é fazendário estadual há 12 anos, mas servidor público havia bem mais tempo. Antes de assumir a Secretaria da Fazenda do Ceará, em 2011, ele trabalhou durante 21 anos na Caixa Econômica, valendo registro também de uma passagem rápida pela Receita Federal, onde atuou, no Maranhão, em 2010. Na Sefaz-CE, exerce a função de supervisor do Núcleo de Auditoria Fiscal (Nuafi), de Juazeiro.

Daquele 85 em diante, o cordel é a linguagem da amizade, da gratidão, do amor para Napoleão. E lá se vão mais de 80 textos. É referência entre os conhecidos. Quem ganha cordel assinado por Napoleão exibe a sorte de ter o bem querer eternizado pela arte dele. E nem precisa conviver com o artista. O servidor já é convidado a escrever até sobre quem ele nunca viu. “Os amigos me pedem. Às vezes, eu nem conheço a pessoa. Então, eu vou atrás para saber um pouco mais sobre a vida dela pra escrever melhor”, relata. Ele diz que só não gosta mesmo é de declamar as próprias rimas. Cabe sempre ao amigo, também fazendário, Cândido Jr, fazer o papel de recitador.

Mas aí quando o assunto é amor bem amado, Napoleão diz que os versos fluem que é uma beleza. Além do pai, Otacílio, mais conhecido como Pita – quem primeiro lhe assoprou toda a escrita apaixonada – ele já fez paródia em cordel para a mãe Iolanda, para as irmãs gêmeas, para vários companheiros do trabalho. A poesia que fez para a esposa Luciana, com quem está casado há 30 anos, ganhou até versão entalhada na madeira com direito a foto dos dois e tudo! Um primor!

Para os filhos, também dedicou atenção qualificada. Napoleão é pai de Mateus, 28 anos; de Luana, 25 anos; e de Gabriel, de 14 anos. Os dois mais velhos se tornaram médicos. Na festa de formatura da filha, em setembro de 2023, os convidados receberam, como afeto da formanda, cordel que Napoleão escreveu para ela, em homenagem à conquista do título de médica. Emocionante de ler.

O dia a dia na Fazenda estadual também rende assunto de ruma para Napoleão. Ele acumula várias obras sobre a Cidadania e a Educação Fiscal, sobre o programa Contribuinte Pai d’Égua, sobre o evento Ser Fazendário, sobre iniciativas acerca de Gestão e Liderança… na verdade, sobre a Sefaz inteira. O homem encontra inspiração em tudo pelo que os sentimentos dele atravessam.

O cordel de Napoleão resvala para onde o pensar dele atua, assim também para o ambiente da pesquisa acadêmica. Porém, à revelia da sistemática mais rígida de normas e técnicas, é a sensibilidade e a ousadia que continuam a abrir os caminhos da apreensão e do compartilhamento de conhecimentos. Em 2018, Napoleão apresentou em cordel a defesa da sua dissertação de Mestrado em Turismo, pela Universidade Estadual do Ceará, intitulada “Os ranchos Familiares de Juazeiro do Norte”.

Já teve as poesias recitadas pelo sanfoneiro Waldonys, e foi aclamado, em cima do palco, por personalidades como o então governador do Ceará, atual ministro da Educação, Camilo Santana, em 2019; também, à época, pela vice-governadora Izolda Cela, atual secretária executiva do Ministério da Educação (MEC); conduzidos pela, então secretária da Fazenda, Fernanda Pacobahyba, atual presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que já conhecia a aptidão desse homem danado de talentoso.

Após mais de “35 anos de serviço público”, segundo Napoleão, vai chegando a hora de pensar em aposentadoria. Diz ele que só dos números, das letras não. Ele quer se dedicar ainda mais à arte que o traduz e o aproxima das pessoas e das realidades que vive; quem sabe, lançar um livro.

Seu Pita e dona Iolanda estariam orgulhosos de você, Napoleão. Apesar de não estarem mais conosco, fisicamente, estariam felizes por ver o homem arretado que você se tornou; estariam contentes por ver que as lamparinas que eles acenderam em você, cada um a seu modo, já iluminaram tantos caminhos e ainda vão brilhar muito mais.